sábado, 18 de outubro de 2025

A Chama não se apaga, uma conversa com Pe. Henrique, um filho da terra e missionário de esperança...

 

O nosso convidado da 17ª edição da revista “Chama”, do Núcleo de Urgezes, nasceu e cresceu em Urgezes, frequentou cá a escola e a catequese, para além de ter em comum connosco o gosto pelo escutismo, tendo passado pelo Agrupamento 322 do CNE de Urgezes.

Foi Assistente Regional Adjunto do Corpo Nacional de Escutas (CNE) e responsável pela Assistência e Formação no Campo Escola de Fraião; colabora na Assistência Espiritual dos Cursilhos de Cristandade; é vigário de culto na Igreja de Nossa Senhora da Consolação e Santos Passos, em Guimarães e reconhecido por participar ativamente em diversas iniciativas locais como procissões e dinamização do culto na nossa cidade.

É na atualidade pároco de São Vicente de Mascotelos, mais conhecida por Santo Amaro, e São Tiago de Candoso.

O Padre Henrique Ribeiro, é natural de Urgezes e que tem levado consigo, no coração e no ministério, as marcas do lugar onde cresceu, a paixão pelo escutismo e o testemunho da fé vivida com alegria e entrega.

Ao longo desta conversa abordamos as suas origens, o chamamento ao sacerdócio, o escutismo, a Fraternidade Nuno Álvares e o Jubileu 2025.


VÍDEO INTEGRAL DA ENTREVISTA AO PE. HENRIQUE RIBEIRO 

FNA: Como descreves aqui a tua terra natal e quais são as memórias que guardas da tua infância cá?

Para mim esta terra sempre me disse muito, desde pequenino, porque fiz todo o meu percurso espiritual e mesmo a nível escolar, também fui tudo aqui, para além dos amigos e de outras pessoas com quem tive a oportunidade de conviver. Andei aqui no infantário, funcionava na igreja velha (igreja matriz) com a Toninha Mesquita e a Matildinha. Foi aí que comecei a minha formação escolar, para os meus pais poderem trabalhar, depois fui para a escola número 16 de Urgezes, no Bairro Municipal, e depois para a cidade, para o 5º e 6º anos. No final do 6º ano é que ingressei no Seminário. Mas a nível de formação, podemos dizer assim, espiritual, de amizade, foi tudo aqui em Urgezes, de uma hora especial com os protejos, porque os protejos tiveram sempre uma grande ligação comigo, desde os seis anos de idade...

 

FNA: E o Padre Joaquim, o Padre Joaquim Pinto Rodrigues acaba por marcar aqui a nossa geração, a geração anterior também, porque o esportismo que existe em Urgezes é graças a ele também.

Exatamente, o Padre Joaquim Pimenta Rodrigues, com certeza, e também a irmã…

 

FNA: É a nossa Aquelá. Nós passamos por ela e não é a Matildinha, é a nossa Aquelá; ficou sempre, e acho que é comum, a quem passou pela Alcateia com ela. Portanto, acabamos por perceber que a própria comunidade de Urgezes tem interferência depois no teu caminho, ou seja, é aqui que descobres a tua vocação, tens pessoas ao teu lado que te vão ajudando a conhecer essa vocação e acaba por ter esse impacto também um bocadinho. Podemos dizer então que a ligação às origens é importante naquilo que tu és hoje.

Sem sombra de dúvidas. Aliás, qualquer família responsável e que saiba verdadeiramente assumir a sua missão ajuda sempre os filhos ou as gerações mais novas a compreender a identidade, a pertença, que é isso que nós muitas das vezes nos falha um bocadinho nos tempos atuais. As pessoas hoje em dia estão muito fora, muito dentro e fora, não se identificam com a própria terra, porque fazem tudo fora, a terra serve mais para dormitório.

Falta-nos um bocadinho esse aspeto, o estar com este sentido de serviço e de proximidade onde realmente se reside, porque isto é fundamental para podermos ter uma personalidade, um caráter cultural também muito próprio, que só a própria terra nos pode dar.

Só dessa forma é que conseguimos transmitir às próximas gerações aquilo que são as nossas raízes, as nossas culturas, as nossas tradições.

 

FNA: Ora, portanto, cresces em Urgezes e depois vem o tal chamamento. Ainda te lembras quando sentiste esse chamamento?

Lembro-me perfeitamente que foi na catequese, na altura. A catequista era a Ana.

Ela apresenta-se também no início do ministério presbiteral aqui, esteve presente também na chamada a missa nova. Antigamente a catequese ia até ao quinto ano, não é como agora, e foi precisamente já na parte final, salvo eu no quarto ou no quinto, que se despertou em mim este desejo de ir mais além, interiormente, de tentar perceber o que é que realmente Cristo queria de mim. E foi através, precisamente, da comunicação do testemunho desta catequista, da forma como ela muitas vezes também explicava ou partilhava-se acerca da palavra de Deus e a sua vivência, também com Cristo. Depois o exemplo do Padre Joaquim, que também foi para mim uma grande referência. E depois tinha outra perceção, que era a questão também do padroeiro da paróquia, do Santo Estevão, que tem uma imagem imponente dentro da própria igreja e não passa despercebido, qualquer pessoa que entra na igreja paroquial, chama-lhe a atenção, e foi a partir daí que comecei a fazer o pré-seminário, o pré-seminário que acontecia uma vez por mês no salão paroquial da Igreja de Oliveira. E depois, no final do sexto ano ingressei no seminário, o Padre Joaquim Pimenta, ajudou-me precisamente a fazer essa integração e essa inserção.

 

FNA: Eu lembro-me desses primeiros passos, sempre com o padre Joaquim, sempre por perto. Aliás, o padre Joaquim Pimenta Rodrigues, para quem o conheceu de perto, é um grande amigo. Quem não o conheceu tão de perto, se calhar, conheceu aquele lado dele mais exigente, digamos assim….

Pois, a personalidade dele e do interior dele, era um pessoal boa e, para além de realmente ser uma pessoa boa, era uma pessoa dedicada. Dava sempre o seu melhor, para não só escutar, para perceber as outras pessoas e ajudar. Foi graças a ele que nós temos a igreja também.

 

FNA: E esse caminho de chegar ao seminário, há muitos percalços? Não o quero chamar de percalços, mas há desafios que mexem connosco.

Sempre, há sempre desafios.

 

FNA: Há algum que te lembres mais marcante? Se calhar aquele impacto inicial é sempre mais complicado.

O desafio principal é a questão de deixar a família. A ausência mais notada dentro do seminário, no meu tempo, porque hoje em dia já não é tanto assim, era precisamente a ausência da família.

A família podia ir visitar-nos lá ao domingo à tarde, mas nem todas as famílias podiam ir, como é normal. Naquela altura, havia famílias com cidades e comunidades pequenas, mais carenciadas, e não iam visitar os seus filhos muitas das vezes, todas as semanas. Tinha colegas lá que saíam do seminário, uns pela janela, que não aguentavam estar longe da família.

Nós só podíamos vir a casa na altura das férias: Férias de Natal, Páscoa e Verão; ou então para o aniversário de um familiar, um familiar mais próximo, podemos dizer assim.

 

FNA: Nisso tu tinhas sorte porque tinhas mais irmãos...

Sim, eu também vinha mais vezes, mas também tinha, graças a Deus, um pai e uma mãe que sempre se preocupavam comigo e também me faziam sempre uma visita para não sentir tanto essa carência afetiva da família, pois realmente, sempre se empenharam e me apoiaram desde a primeira vez que disse que queria ir para o seminário, e ele foi logo assim: “se queres, vamos”.

 

FNA: E um pai aceitar assim... Eu acho que há decisões dos filhos que, quando chegamos à beira de um pai, e dizemos, eu quero isto, por vezes os pais não aceitam logo à primeira aquilo que nós queremos.

Os pais querem que a gente seja como eles. Porque o modelo de um pai é que sigamos a vida como eles, e é sempre um apoio enorme quando o nosso pai nos apoia... o que acontece um bocadinho, é que os pais idealizam  que se são médicos, os filhos têm que ser médicos, e às vezes não é bem assim.

Eles têm que deixar os filhos descobrir a vocação, onde são realizados verdadeiramente...

 

FNA: Durante esta caminhada, já como Padre, já te cruzaste com alguém mais jovem, pelas paróquias onde passaste, e que tivesse nele a despertar esse sentimento também, ou não?

Sim. Nas minhas paróquias, onde passai até aqui, em Vila Verde, cruzei-me com duas vocações. São duas vocações boas que não são minhas, porque as vocações são à Deus. Apenas ajudei e trabalhei-as e sempre acompanhei.

Um deles está a trabalhar na diocese de Évora, mas é daqui da arquidiocese, da Comunidade Nova, em Vila Verde, que é o padre Nelson, podemos acompanha-lo várias vezes na televisão, porque ele aparece regularmente na paróquia de Mora. Depois tem o padre Rafael Gomes, que é da paróquia de Covas, que é missionário do Verbo Divino, e que neste momento, salvo eu, está em Caminha, aqui em Viana do Castelo, mas esteve três anos nas Filipinas.

Um desses dizia-me que o que mais lhe tocava eram os momentos de adoração que eu fazia, na própria paróquia, quando estava o Santíssimo exposto, ele admirava como é que eu estava ali, a viver aquele momento.

 

FNA: Mas eu acho que também a forma como vives esses momentos, vejo muito em ti que via do Padre Joaquim. Ou seja, uma pessoa que transmite calma quando está a fazer uma celebração, fazendo com que quem assiste, se calhar admire essa forma de estar.

A tranquilidade, a paz é sempre necessária. A vida já é muito de stress, precisávamos de encontrar um tempo de paragem e de calma para recuperar as forças.

 

FNA: Durante esta caminhada, temos também o escutismo, o Pe. Henrique foi lobito, explorador e pioneiro ainda….

Sim, algum tempo. Depois fui para o seminário, passei para lá algum tempo, ainda fiz parte do Clã 8, mas depois também fazia intercâmbio aqui com o agrupamento 322 de Urgezes, onde trabalhei com o chefe Ferreirinha, no Clã, antes de fazer o CIP. Ainda estive um bocadinho a trabalhar com os caminheiros quando vinha cá, na altura já no seminário maior, quase todos os fins de semana, para além do trabalho que fazia com grupo de jovens, que havia na altura.

 

FNA: Acreditas então que o escutismo possa ter um papel importante na tua decisão também?

Sim, sem dúvida. O escutismo devia ser experienciado por todos os jovens. É uma escola para a vida.

É uma escola integral, educa-nos nos valores na sua totalidade. Melhor, temos os polos educativos, todos eles passam pelas várias áreas que um ser humano precisa de robustecer, de trabalhar e às vezes trabalhar até aqueles que têm menos em si próprio.

 

FNA: Eu tive a oportunidade, de ver o efeito do escutismo nas crianças, nas minhas filhas. A autonomia, a responsabilidade que ganharam depois de estarem cá, é completamente diferente.

E quando eu ouço um professor às vezes perguntar sua filha é escuteira, isso quer dizer alguma coisa? Há aqui qualquer coisa de diferente que nós conseguimos incutir nas crianças. Já me respondeste à próxima questão, que era se acreditas que o escutismo pode ter hoje o mesmo impacto na vida das crianças. Já respondeste, toda a gente devia passar por cá.

Sim, sim. Eu aconselho e recomendo, sempre que me perguntam às vezes onde é que podiam estar inseridos os filhos, sempre se aponta para o movimento juvenil. E o movimento juvenil mais completo que eu conheço, que pode ajudar ao crescimento, em todos os aspetos, é uma arma espiritual, é consciência em todos os aspetos.

O escutismo é fundamental e efémero nesse aspeto.

 

FNA: O escutismo e a fé devem sempre andar de mão dada. Se bem que hoje em dia, acaba por se facilitar um bocadinho na parte da fé.

Isso nota-se um bocadinho em todos os agrupamentos, porque acho que é aquela parte em que os agrupamentos não se sentem tão à vontade, porque não têm tanta profundidade, ou não conhecem as coisas a fundo.

Então, para transmitir algo sobre a fé, é preciso a ajuda do assistente, e às vezes o assistente não tem tanta disponibilidade para estar com o argumento. Eu falo por mim, vejo isso realmente, e sei que às vezes não é fácil acompanhar, com as várias tarefas pastorais que tenho, mas sempre que me pedem ajuda, eu colaboro, e dou o meu melhor também para que eles não se sintam desamparados nesse aspeto. Porque é fundamental, a parte espiritual não é o agrupamento.

Qualquer um deles precisa sempre desse aspeto. É por isso que não se pode deixar, muitas vezes, de viver a oração. É por isso que tenho a Eucaristia mensalmente, apesar de que a Eucaristia não é só para ser ao domingo, mas eu sei que só aparecem às vezes um domingo.

Como há essa falha, nós temos que levar as pessoas à vivência. Se as pessoas não vivem a fé, nunca vão poder entendê-la. Não vão compreendê-la.

 

FNA: Quando saímos daqui da zona de Braga, partir do Porto lá, torna-se mais complicado… Na fraternidade acabamos por ter mais contatos por esse Portugal com outros escuteiros, e há uma coisa que se passa mais no Sul. As poucas pessoas que temos ligadas à Igreja são pessoas mais dedicadas. Nós aqui somos realmente um polo maior, mas depois temos que espremer até obter o sumo que queremos...

Os números não querem dizer nada, é isso que estamos a dizer. Às vezes só nos focamos nos números, agora, aqui é preciso saber quando há carência, e quando aparecem pessoas que fizeram um processo e um caminho antes de se integrarem ou entrarem, dentro do agrupamento, já se prepararam, já descobriram por elas próprias ou com a ajuda de alguém.

Aqui o que acontece? Eu vou porque os meus amigos vão, mas depois não há aquele acompanhamento que deveria haver, acho que há aqui qualquer coisa que não está a funcionar com aqueles que aparecem já com a convicção que é isto que querem. Então esses são bons. Quando aqueles que aparecem, que são poucos, mas são bons, dá para manter o caminho seguro e firme, apesar de serem poucos.

É o que vai acontecer um dia, suponho. O Papa Bento XVI diz que realmente a Igreja do Futuro também será menor, mas o que vai ser ou o que vai estar constituído vai coeso. Aqueles que estiverem, estarão com convicção e convivência bem forte.

 

FNA: A fraternidade Nuno Alves aparece como um movimento de escuteiros adultos, ou seja, é um movimento que já existe há muitos anos, mas que nos últimos anos têm tido um caminho completamente diferente daquele que era há uns bons anos atrás. Pergunto, em primeiro lugar, quando é que foi o teu primeiro contacto com a FNA? Se foi em Aboim da Nóbrega, quando o Núcleo de Urgezes lá foi, ou se já havia outros contactos?

A nível de trabalho, mais afincado com a FNA, não só foi o contacto convosco lá em Aboim, quando vocês foram lá, mas também com a fundação do Núcleo da FNA de Santo Amaro. É com este que houve um contacto mais próximo, percebi um bocadinho o que é a FNA, que realmente a FNA surge como missão dentro do próprio escutismo adulto, qual é a sua preparação, o que realmente se vive dentro da FNA, e o que é, que realmente lança-se para os outros. Não deixa de ser um apoio para o CNE, mas por outro lado também tem o seu trabalho, e o seu caminho.

 

FNA: Podemos dizer que somos escuteiros adultos para servir. Servir a paróquia, servir o CNE, quando eles precisarem de nós. E temos que seguir esse caminho, porque senão estamos a meter-nos onde não somos chamados. Mas acreditas que a fraternidade poderá aqui acabar por também ajudar a colmatar essa tal falta de profundidade? Uma vez estamos a falar de pessoas adultas, que já não vêm para o escutismo pelos amigos, já vêm porque realmente gostam. E os que vêm com os amigos, em pouco tempo percebemos se realmente vão gostar ou se vão afastar, ou seja, pessoas comprometidas, com um compromisso que fazem no altar, se calhar acabam de ser muito úteis numa paróquia e até no apoio ao CNE.

Eu digo isso um bocadinho porque a promessa... Nós sabemos que as promessas de escutistas são um auge de viver quase aquela passagem de fase etária da nossa caminhada de vida. Mas às vezes eu até penso que as promessas são feitas, mas não são vividas como elas têm de ser vividas.

 

FNA: No escutismo adulto é diferente, porque na realidade as pessoas sabem o que querem. Escolheram esse caminho pela vontade própria e se não foi por vontade própria foram convidadas, mas pensaram duas ou três vezes antes de ir.

Exatamente. E as vezes com as crianças vai, fazemos e já está, depois por outro lado existe o compromisso, e quando as pessoas estão com esse compromisso.

Hoje em dia, o que se vê é falha de compromisso, as pessoas não se querem comprometer com nada e é por isso que nós temos pouca gente a querer estar ao serviço dos outros, a trabalhar em prol dos outros, nem que sejam escuteiros em regime voluntariado. Era preciso incutir novamente este ideal do compromisso nas pessoas.

Compromisso não é sufocar a vida das pessoas. É isto que as pessoas têm medo, porque pensam que vão ficar sufocadas por não ter vida própria. Não é isso, é uma questão de gestão de tempo, que as pessoas têm que ter, e se as pessoas não sabem gerir o seu tempo, automaticamente nunca vão se comprometer com nada, porque o tempo não vai chegar para nada.

Quando as pessoas o conseguem gerir, é ótimo, quando encontramos a gestão e sabemos o tempo que temos na nossa vida e sabemos que sempre há algum tempo. Às vezes não temos nada para fazer e poderíamos dar esse tempo, algo que eu posso fazer em prol dos outros e não apenas para o meu próprio benefício e para o meu próprio gozo. As pessoas voltam-se só para si próprias.

 

FNA: Eu costumo dizer que o escutismo, até mais nesta fase adulta, é aquele passatempo que a gente vai para passar algum tempo, mas que depois acaba de passar lá aquele tempo que até nem queria passar, porque nem o tinha, mas ele descobre-se. E eu acho que quando nós gostamos de alguma coisa, nós descobrimos tempo. Uma altura, numa palestra, eu ouvi um professor universitário também escuteiro adulto, professor universitário, depois faz parte de outras associações e nós perguntávamos como é que ele tinha tempo para aquilo tudo.

E a resposta foi uma resposta que me ficou na cabeça. O dia tem 24 horas para toda a gente. Cada um aproveita como pode.

E eu acho que esse é realmente o lema que nós devemos interiorizar e gerir as nossas 24 horas da forma que conseguimos. O importante é que nós tenhamos bons líderes. Se nós tivermos bons líderes que consigam guiar e conduzir as pessoas, é mais fácil, se não tivermos líderes para orientar ou conduzir em condições, as coisas começam a ficar tremidas, as pessoas começam a desviar-se. Então aqui começam a sair e não terem precisamente esta identificação. Por vezes é difícil arranjar um bom líder.

 

FNA: Falar em líderes é falar do nosso patrono, São Nuno de Santa Maria. É o melhor exemplo que nós podemos ver de liderança, que em campo de guerra, ele próprio cuidava dos adversários e depois dedica-se a uma vida plena de igreja.

Eu acho que, sem dúvida, D. Nuno, já de nosso tempo, já era visto como um exemplo pelo CNE. E agarrar este exemplo como patrono da FNA, é sem dúvida, o melhor exemplo que podemos seguir neste caminho adulto.

Em 2016, na Fraternidade Nuno Alves, nós tivemos uma série de conferências e de trocas de ideias e passámos a aceitar a integração de pessoas que nunca tinham sido escuteiras em jovens, no escutismo adulto. Foi algo que deu muito que falar, havia pessoas a favor, havia pessoas contra, havia pessoas contra e que hoje são completamente a favor. Eu pergunto-te, como é que olhas para esta decisão, se pode ser uma mais-valia ou não? Porque há muita gente que, quem miúdos não foram escuteiros, simplesmente os pais não deixaram e podem ter ali uma vocação e ser uma mais-valia na associação. Pergunto-te como é que olhas para esta decisão, porque foi uma decisão que realmente tivemos reuniões com a própria Igreja, com as pessoas que lideram a Igreja, explicar o nosso ponto de vista e mostrar realmente o porquê.

A Igreja nunca implica ou põe em causa a questão da participação ou não das pessoas num movimento, neste caso, nacional. A questão que a Igreja muitas das vezes pergunta é se a pessoa é batizada. Se é batizada, se realmente tem pelo menos a vida cristã em dia, podemos dizer assim..

FNA: Um dos parâmetros para entrar é ter um relatório do pároco como é uma pessoa idónea e participativa na atividade paroquial.

Qualquer dirigente do CNE é a mesma coisa. O assistente é que dá sempre o aval acerca daquela pessoa para fazer ou não a promessa daquele dirigente. O que é que se pretende com um dirigente ou quem realmente entra para afirmar o escutismo adulto.

Nós temos que ver nessas pessoas que sejam capazes de ser um exemplo, escuteiros educadores e líderes ao mesmo tempo.

É uma liderança de pujança, o combate de ideias é muito importante.

Quando cada um contribui enriquece muito mais.

 

FNA: Mas das coisas mais difíceis que existe em termos de escutismo adulto é realmente conseguir lidar com os adultos. Os miúdos a gente consegue-lhes dizer que é para a esquerda ou para a direita e mais ou menos eles vão, mas quando falamos adultos, toda a gente tem a sua opinião. E é verdade que temos que ter bons líderes e isso faz toda a diferença. Reconheço que aqui em Urgezes fomos tendo bons líderes com o Carlos Alberto, o Araújo, o Lima, sempre pessoas que sabem o que querem e com a calma deles ajudam-nos a chegar a bom porto e empolgar-nos a todos.

Mas é um desafio e por vezes existem bons líderes num grupo, até mais do que um líder e às vezes as próprias ideias acabam por ficar e o grande desafio é mesmo esse, conseguir dar a volta a isso tudo. Aliás, até vou mais longe um bocadinho, acho que cada cristão, cada pessoa que vive a sua adesão realmente a Jesus Cristo, deve ser um bom líder. Cada cristão é um líder., porque cada cristão tem que anunciar o Evangelho, se anunciar o Evangelho tem que ser um líder.

A forma como o faz, na sua simplicidade, com a sua sabedoria, com os seus dons, é isso que é o mais importante. Agora, nós temos de estar imbuídos da riqueza que nos dá o Evangelho, a Palavra de Deus, para nós podermos seguir o exemplo de Cristo, porque senão, a partir daí, qualquer um pode entrar na FNA, na CNE, tendo realmente essa experiência profunda também de Cristo, porque Jesus vai-lhe dar aquela parte humana que está a falhar nele, porque Jesus também era humano, muito humano, era humanista, estava sempre atento às necessidades das pessoas e sempre atento àquilo que se passava, para poder muitas vezes ajudar, e depois foi um líder. Porque eu?

 

FNA: O nosso Presidente Regional costuma dizer que nós temos de fazer duas coisas para estar bem na FNA e sermos úteis na FNA. Primeiro, assumir o nosso compromisso, o compromisso que fazemos quando fazemos a promessa, e a segunda, é sermos humildes. E é engraçado, porque ao longo destes três anos tenho convivido mais com ele, cada vez mais lhe dou razão.

Sim, a humildade é fundamental e é completamente a chave de nós sabermos quando é que devemos dar um passo atrás, quando a nossa vontade é a dar dois à frente. Porque o orgulho mata.

Porque o orgulho faz com que a própria pessoa nem aceite a opinião do outro e só pense aquilo porque acha que tem razão. E isso é impossível trabalhar.

Ou a própria pessoa trabalha por ela própria e aceita verdadeiramente que o que precisa de fazer, não é lavagem no cérebro, mas uma introspeção interior. Perceber um bocadinho o que se está a passar com ela, porque uma pessoa autoritária não é um bom líder.

E eu, graças a Deus, também tive um bom líder que foi o vosso primeiro assistente, mas falo também do “guia do meu bando”, que era o Carlos Alberto.

 

FNA: O Carlos Alberto, tem um papel fundamental nesta viragem, nesta forma de estar da FNA. Aqui há uns anos atrás, quando se falava em FNA, associávamos de um grupo antigos escuteiros, que se juntavam para recordar e ao mesmo tempo fazer uma jantarada, mas com o José Luís, e depois com o Carlos Alberto, há uma mudança de paradigma. E realmente o serviço começa a estar no topo e a partir daí começamos a ver pessoas realmente envolvidas e comprometidas neste movimento e com vontade de cá andar, de servir e de fazer mais, o que se reflete no tempo que acabamos por dedicar mas com um sentimento de utilidade completamente diferente.

Aliás, é um bocadinho esse lema que nós devemos trazer sempre no coração. Porque o amor realmente de Jesus foi um amor de serviço. Portanto, ele próprio se rebaixou para precisamente lavar os pés aos próprios discípulos.

E como lavou os pés aos próprios discípulos, deu um exemplo a eles. A dar humildade. A fazer a voz da mãe.

E por isso a humildade é fundamental para nós podermos continuar a crescer, a receber, a apreender e por outro lado também transmitir. Porque ninguém dá aquilo que não tem.

 

FNA: Durante este ano atravessamos o ano do Jubileu, em que o Papa Francisco nos propôs a viver como “peregrinos de esperança”, qual é o significado destes “peregrinos de esperança”?

Todos nós somos peregrinos, portanto, todo ser humano é um peregrino, não digo um peregrino eterno, porque depois a eternidade continua e diante de Deus a nossa peregrinação é outra, mas esta peregrinação na esperança significa que temos o nosso caminho colocado, precisamente, como um exemplo, nesta virtude. Somos peregrinos de esperança, olhando não apenas para aquilo que é o otimismo da vida, porque às vezes o otimismo falha, mas olhar precisamente para aquilo que ainda nós não conhecemos, mas que nos motiva.

Isso é o que nos faz trilhar e não desanimar, fazer o caminho. A virtude da esperança é isso. Não é só esperar aquilo que a gente desconhece, como diz muito a Sagrada Escritura, mas é pensar um bocadinho neste propósito.

E todos nós somos peregrinos e queremos caminhar nessa perspetiva, sabendo que somos salvos precisamente na esperança, até porque o Papa Bento XVI dizia que é salvos na esperança. Nós só podemos ser salvos na esperança se habitarmos realmente no coração de Deus. O Deus tem esperança em nós também, deposita em nós esta esperança de que o queramos, que realmente tenhamos a vontade de o conhecer, de o amar e de o servir.

Isto é um amor imenso, um amor incomensurável, podemos dizer assim, um amor sem limites da parte de Deus. Agora, nós temos que ter esta corresponsabilidade e ao mesmo tempo corresponder àquilo que Deus espera de nós. E às vezes é um desafio grande… Fazer a caminhada de peregrinos, subir, subir, subir, subir, cansa.

 

FNA: Porque nós olhamos até para este slogan, peregrinos de esperança, acho que este termo “peregrinos de esperança” é muito ambíguo, amplo…. E realmente podemos olhar para isto, como sendo peregrinos a vida toda. Que atitudes práticas é que podem ajudar a viver melhor este ano jubilar que estamos a atravessar?

Que atitudes práticas? Se cada um de nós pensar um bocadinho na forma como é a realidade da nossa vida, e sobretudo a questão da nossa fragilidade, vamos entender que este peregrinar não é peregrinar sozinho, é um peregrinar em conjunto. Aliás, o Papa Francisco falava isto muitas vezes, devemos caminhar juntos porque ninguém realmente é capaz de ser salvo sozinho, e a atitude que nós devemos ter é pensar em comunhão.

Comunhão, unidade: são atitudes que devemos ter, bem presentes. E se pensarmos um bocadinho em comunhão e unidade, vamos pensar na palavra que é muito importante para nós, que é a palavra família.

Porque a família é a base, o pilar, estruturante de tudo, quando temos uma família bem estruturada, vamos conseguir tudo o resto. Vamos conseguir ter uma boa comunhão, vamos ter esta boa interligação entre todos os membros, vamos conseguir fazer e trabalhar para os outros.

E a mesma coisa se diga da FNA, dos movimentos que existem na igreja, tem que viver assim esta atitude. A atitude de não pensar apenas em mim, mas pensar que eu sou uma comunhão, que eu sou uma família, somos família, porque Deus é família.

Para nós podermos levar este ano jubilar, sabendo que a comunhão e a unidade é fundamental, tendo a participação, a mente ativa, bem presente, também no coração, porque todos nós temos uma missão.

E a nossa missão é viver esta comunhão, esta família uns com os outros, mas nunca perdendo a nossa identidade, que nós falámos aqui há há bocado, a nossa identidade cristã, neste momento está em Cristo. No CNE, na FNA, nós temos outras referências que nos fazem viver essa comunhão, essa unidade, com os exemplos dos tantos patronos que muitas vezes nos colocam, aqui o São Nuno, para nós é uma referência imensa, e daí gostava que falasse há bocado da humildade, a atitude humilde, para poder ser peregrino, porque se ninguém chega ao fundo do monte, se não for humilde, porque não consegue lá chegar, vai desistir a meio do caminho. Tenta-se caminhar sozinho, às vezes tenta ir para a frente dos outros.

 

FNA: Ou seja, se estamos a subir o monte, se nós nos libertarmos do peso que temos a mais, com certeza é que vamos chegar mais fácil…

É fundamental o despojamento, se não nos despojamos daquilo que é supérfluo na nossa vida, aquilo que é inútil, que às vezes até nós damos valor e não tem valor nenhum, e aquilo que nós devemos dar valor às vezes não damos, que são as pessoas.

Às vezes aos materiais, às outras coisas que não têm sentido nenhum, só nos fazem perder a cabeça, costuma-se dizer….

Porque Deus é uma pessoa, aliás três pessoas, neste caso, em qual nós não podemos prescindir nem deixar de lado. Porque? Então é como o próprio Jesus diz no Evangelho, sem mim nada podeis fazer. Portanto, se nós não tivermos esta ligação, desta relação de amizade com o próprio Senhor, nunca mais lá conseguimos.

Hoje a Santa Teresa de Jesus diz que a oração é precisamente este tratado de amizade com aquele que nos ama. Portanto, a oração é uma conversa, é um diálogo que nós fazemos. Ao fazer este diálogo com Jesus, estamos realmente a acolher aquele que é nosso amigo, a conhecê-lo, a perceber realmente o quanto ele nos ama e como ele é fundamental para nós sermos felizes também.

Porque a felicidade é fruto de opções felizes.

 

FNA: Este ano jubilar, acima de tudo, é um ano em que todos nós devemos fazer um bocadinho de introspeção, olhar para dentro e ver se estamos a caminhar o trio certo, com a mochila bem carregada ou não.

Os caminheiros fazem isso muito bem, na partida. Metem só aquilo que é essencial na mochila.

O pão, o evangelho, a mochila, a vara e pouco mais… o resto, o que podem levar é a boa vontade de ajudar, contribuir para a felicidade dos outros.

Portanto, se o escuta, é irmão de outros escutas e ao mesmo tempo caminha para servir, é prestar realmente este auxílio àqueles que passam nas suas vidas. Eu acho que não há maior felicidade do que aquele que precisamente oferece a sua vida para os outros ou está ao serviço dos outros e se entrega realmente de alma e coração a isso. Nessa missão.

Parabéns à FNA e obrigado também pela vossa missão porque todos somos importantes.

Não é destacar ninguém, mas todos somos necessários, ninguém é descartado. E a vossa missão é imprescindível nos tempos em que vivemos e sobretudo o vosso exemplo, a vossa caminhada, as vossas atitudes, os vossos projetos.

São fundamentais para nós só deixar a marca da FNA na comunidade em que está e nas pessoas, mas também deixar um pouco da vossa marca aqui para nós, e por isso, muito obrigado também por me convidarem a estar aqui neste momento e poder partilhar convosco este momento.

 

FNA: Qual a mensagem que gostaria de deixar aos nossos paroquianos, onde no meio de tantos, se calhar até temos alguns escuteiros que estão adormecidos e que podemos aqui despertar-lhe a “chama”, que é o nome da nossa revista, propositadamente, a Chama Escutista.

Antes de deixar esta mensagem, é bom e importante nós termos presente sempre todas as pessoas que tiveram sempre este toque do escutismo. A chama não se apaga, nós podemos deixá-la diminuir, mas arde um bocadinho. Agora é preciso é atiçar o fogo, muitas vezes porque está aí a pequena chama. E lá está a esperança, porque é que a esperança é a última a morrer, e porque o amor nunca acaba.

E enquanto o amor nunca acaba, significa que a esperança também não vai acabar, porque o amor acende sempre a chama da esperança nos corações. E por isso o convite que eu faço, e a mensagem que deixo, precisamente a todos aqueles que passaram pelo CNE do nosso tempo (mais novos ou mais velhos), todos aqueles que viveram esta experiência escutista, nunca realmente esqueçam aquilo que receberam, sobretudo isso. E que, ao mesmo tempo, pensem um bocadinho no que podem realmente dar. Porque não é só receber.

Todos nós temos sempre algo para dar. E acho que aquilo que nós recebemos nos fez crescer. Isso é quem somos hoje.

Tivemos que contribuir também para que outros venham a conhecer, venham muitas das vezes a perceber a importância destes valores que nos fizeram ser quem somos hoje, e por isso convido-vos também a retornar, se possível. Assumir novamente esse compromisso, de braços abertos, e ides perceber que a vida, para vós, será ainda mais feliz porque estais a fazer algo que o vosso coração já estava a dizer qualquer coisa, mas que hoje se torna ainda mais forte para poder desenvolver aquilo que então acolheste com muita alegria no vosso coração naqueles tempos em que passaram por cá. Não desistam, estamos convosco e estamos aqui para caminhar juntos porque é isso que é fundamental.

Nós todos temos famílias, com certeza com as suas diferentes vocações e locais de trabalho diferentes, mas não quer dizer que a gente não possa contribuir e estar sempre próximo e ajudar a que retornem e nos lembremos desse tempo passado. É sempre importante.

Nunca podemos esquecer o passado, nunca pode haver a desligação entre o passado e o presente. Não podemos matar as raízes. Quando se corta as raízes, morre tudo.

Temos que muitas vezes relembrar as nossas raízes e voltar a fazer com que essas raízes se tornem fortes para dar maior orgulho e para dar frutos.

 

FNA: E as raízes estão precisamente no local onde tivemos esta conversa, foi neste local, nesta garagem que à há 56 anos atrás, nasceu o CNE em Urgezes também.

São felizes coincidências, mas que acabam por marcar a diferença.

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