O nosso convidado
da 17ª edição da revista “Chama”, do Núcleo de Urgezes, nasceu e cresceu em
Urgezes, frequentou cá a escola e a catequese, para além de ter em comum
connosco o gosto pelo escutismo, tendo passado pelo Agrupamento 322 do CNE de
Urgezes.
Foi Assistente
Regional Adjunto do Corpo Nacional de Escutas (CNE) e responsável pela
Assistência e Formação no Campo Escola de Fraião; colabora na Assistência
Espiritual dos Cursilhos de Cristandade; é vigário de culto na Igreja de Nossa
Senhora da Consolação e Santos Passos, em Guimarães e reconhecido por
participar ativamente em diversas iniciativas locais como procissões e
dinamização do culto na nossa cidade.
É na atualidade
pároco de São Vicente de Mascotelos, mais conhecida por Santo Amaro, e São Tiago
de Candoso.
O Padre Henrique
Ribeiro, é natural de Urgezes e que tem levado consigo, no coração e no
ministério, as marcas do lugar onde cresceu, a paixão pelo escutismo e o
testemunho da fé vivida com alegria e entrega.
Ao longo desta conversa abordamos as suas origens, o chamamento ao sacerdócio, o escutismo, a Fraternidade Nuno Álvares e o Jubileu 2025.
VÍDEO INTEGRAL DA ENTREVISTA AO PE. HENRIQUE RIBEIRO
FNA: Como descreves aqui a tua terra natal e quais
são as memórias que guardas da tua infância cá?
Para mim esta
terra sempre me disse muito, desde pequenino, porque fiz todo o meu percurso
espiritual e mesmo a nível escolar, também fui tudo aqui, para além dos amigos
e de outras pessoas com quem tive a oportunidade de conviver. Andei aqui no
infantário, funcionava na igreja velha (igreja matriz) com a Toninha Mesquita e
a Matildinha. Foi aí que comecei a minha formação escolar, para os meus pais
poderem trabalhar, depois fui para a escola número 16 de Urgezes, no Bairro Municipal,
e depois para a cidade, para o 5º e 6º anos. No final do 6º ano é que ingressei
no Seminário. Mas a nível de formação, podemos dizer assim, espiritual, de
amizade, foi tudo aqui em Urgezes, de uma hora especial com os protejos, porque
os protejos tiveram sempre uma grande ligação comigo, desde os seis anos de
idade...
FNA: E o Padre Joaquim, o Padre Joaquim Pinto
Rodrigues acaba por marcar aqui a nossa geração, a geração
anterior também, porque o esportismo que existe em Urgezes é graças a ele
também.
Exatamente, o Padre
Joaquim Pimenta Rodrigues, com certeza, e também a irmã…
FNA: É a nossa Aquelá. Nós passamos por ela e não é
a Matildinha, é a nossa Aquelá; ficou sempre, e acho
que é comum, a quem passou pela Alcateia com ela. Portanto, acabamos por
perceber que a própria comunidade de Urgezes tem interferência depois no teu
caminho, ou seja, é aqui que descobres a tua vocação, tens pessoas ao teu lado
que te vão ajudando a conhecer essa vocação e acaba por ter esse impacto também
um bocadinho. Podemos dizer então que a ligação às origens é importante naquilo
que tu és hoje.
Sem sombra de
dúvidas. Aliás, qualquer família responsável e que saiba verdadeiramente
assumir a sua missão ajuda sempre os filhos ou as gerações mais novas a
compreender a identidade, a pertença, que é isso que nós muitas das vezes nos
falha um bocadinho nos tempos atuais. As pessoas hoje em dia estão muito fora,
muito dentro e fora, não se identificam com a própria terra, porque fazem tudo
fora, a terra serve mais para dormitório.
Falta-nos um
bocadinho esse aspeto, o estar com este sentido de serviço e de proximidade
onde realmente se reside, porque isto é fundamental para podermos ter uma
personalidade, um caráter cultural também muito próprio, que só a própria terra
nos pode dar.
Só dessa forma é
que conseguimos transmitir às próximas gerações aquilo que são as nossas
raízes, as nossas culturas, as nossas tradições.
FNA: Ora, portanto, cresces em Urgezes e depois vem
o tal chamamento. Ainda te lembras quando sentiste esse chamamento?
Lembro-me
perfeitamente que foi na catequese, na altura. A catequista era a Ana.
Ela apresenta-se
também no início do ministério presbiteral aqui, esteve presente também na chamada
a missa nova. Antigamente a catequese ia até ao quinto ano, não é como agora, e
foi precisamente já na parte final, salvo eu no quarto ou no quinto, que se
despertou em mim este desejo de ir mais além, interiormente, de tentar perceber
o que é que realmente Cristo queria de mim. E foi através, precisamente, da
comunicação do testemunho desta catequista, da forma como ela muitas vezes
também explicava ou partilhava-se acerca da palavra de Deus e a sua vivência, também
com Cristo. Depois o exemplo do Padre Joaquim, que também foi para mim uma
grande referência. E depois tinha outra perceção, que era a questão também do
padroeiro da paróquia, do Santo Estevão, que tem uma imagem imponente dentro da
própria igreja e não passa despercebido, qualquer pessoa que entra na igreja
paroquial, chama-lhe a atenção, e foi a partir daí que comecei a fazer o
pré-seminário, o pré-seminário que acontecia uma vez por mês no salão paroquial
da Igreja de Oliveira. E depois, no final do sexto ano ingressei no seminário, o
Padre Joaquim Pimenta, ajudou-me precisamente a fazer essa integração e essa
inserção.
FNA: Eu lembro-me desses primeiros passos, sempre
com o padre Joaquim, sempre por perto. Aliás, o padre Joaquim Pimenta
Rodrigues, para quem o conheceu de perto, é um grande amigo. Quem não o
conheceu tão de perto, se calhar, conheceu aquele lado dele mais exigente,
digamos assim….
Pois, a personalidade
dele e do interior dele, era um pessoal boa e, para além de realmente ser uma
pessoa boa, era uma pessoa dedicada. Dava sempre o seu melhor, para não só
escutar, para perceber as outras pessoas e ajudar. Foi graças a ele que nós temos
a igreja também.
FNA: E esse caminho de chegar ao seminário, há
muitos percalços? Não o quero chamar de percalços, mas há desafios que mexem
connosco.
Sempre, há sempre
desafios.
FNA: Há algum que te lembres mais marcante? Se
calhar aquele impacto inicial é sempre mais complicado.
O desafio principal
é a questão de deixar a família. A ausência mais notada dentro do seminário, no
meu tempo, porque hoje em dia já não é tanto assim, era precisamente a ausência
da família.
A família podia
ir visitar-nos lá ao domingo à tarde, mas nem todas as famílias podiam ir, como
é normal. Naquela altura, havia famílias com cidades e comunidades pequenas,
mais carenciadas, e não iam visitar os seus filhos muitas das vezes, todas as
semanas. Tinha colegas lá que saíam do seminário, uns pela janela, que não
aguentavam estar longe da família.
Nós só podíamos
vir a casa na altura das férias: Férias de Natal, Páscoa e Verão; ou então para
o aniversário de um familiar, um familiar mais próximo, podemos dizer assim.
FNA: Nisso tu tinhas sorte porque tinhas mais
irmãos...
Sim, eu também
vinha mais vezes, mas também tinha, graças a Deus, um pai e uma mãe que sempre
se preocupavam comigo e também me faziam sempre uma visita para não sentir
tanto essa carência afetiva da família, pois realmente, sempre se empenharam e
me apoiaram desde a primeira vez que disse que queria ir para o seminário, e
ele foi logo assim: “se queres, vamos”.
FNA: E um pai aceitar assim... Eu acho que há
decisões dos filhos que, quando chegamos à beira de um pai, e dizemos, eu quero
isto, por vezes os pais não aceitam logo à primeira aquilo que nós queremos.
Os pais querem
que a gente seja como eles. Porque o modelo de um pai é que sigamos a vida como
eles, e é sempre um apoio enorme quando o nosso pai nos apoia... o que acontece
um bocadinho, é que os pais idealizam que se são médicos, os filhos têm que ser
médicos, e às vezes não é bem assim.
Eles têm que
deixar os filhos descobrir a vocação, onde são realizados verdadeiramente...
FNA: Durante esta caminhada, já como Padre, já te
cruzaste com alguém mais jovem, pelas paróquias onde passaste, e que tivesse nele
a despertar esse sentimento também, ou não?
Sim. Nas minhas
paróquias, onde passai até aqui, em Vila Verde, cruzei-me com duas vocações. São
duas vocações boas que não são minhas, porque as vocações são à Deus. Apenas
ajudei e trabalhei-as e sempre acompanhei.
Um deles está a
trabalhar na diocese de Évora, mas é daqui da arquidiocese, da Comunidade Nova,
em Vila Verde, que é o padre Nelson, podemos acompanha-lo várias vezes na
televisão, porque ele aparece regularmente na paróquia de Mora. Depois tem o
padre Rafael Gomes, que é da paróquia de Covas, que é missionário do Verbo
Divino, e que neste momento, salvo eu, está em Caminha, aqui em Viana do
Castelo, mas esteve três anos nas Filipinas.
Um desses
dizia-me que o que mais lhe tocava eram os momentos de adoração que eu fazia, na
própria paróquia, quando estava o Santíssimo exposto, ele admirava como é que
eu estava ali, a viver aquele momento.
FNA: Mas eu acho que também a forma como vives
esses momentos, vejo muito em ti que via do Padre Joaquim. Ou seja, uma pessoa
que transmite calma quando está a fazer uma celebração, fazendo com que quem
assiste, se calhar admire essa forma de estar.
A tranquilidade,
a paz é sempre necessária. A vida já é muito de stress, precisávamos de
encontrar um tempo de paragem e de calma para recuperar as forças.
FNA: Durante esta caminhada, temos também o
escutismo, o Pe. Henrique foi lobito, explorador e pioneiro ainda….
Sim, algum tempo.
Depois fui para o seminário, passei para lá algum tempo, ainda fiz parte do Clã
8, mas depois também fazia intercâmbio aqui com o agrupamento 322 de Urgezes,
onde trabalhei com o chefe Ferreirinha, no Clã, antes de fazer o CIP. Ainda
estive um bocadinho a trabalhar com os caminheiros quando vinha cá, na altura
já no seminário maior, quase todos os fins de semana, para além do trabalho que
fazia com grupo de jovens, que havia na altura.
FNA: Acreditas então que o escutismo possa ter um
papel importante na tua decisão também?
Sim, sem dúvida.
O escutismo devia ser experienciado por todos os jovens. É uma escola para a
vida.
É uma escola
integral, educa-nos nos valores na sua totalidade. Melhor, temos os polos
educativos, todos eles passam pelas várias áreas que um ser humano precisa de robustecer,
de trabalhar e às vezes trabalhar até aqueles que têm menos em si próprio.
FNA: Eu tive a oportunidade, de ver o efeito do
escutismo nas crianças, nas minhas filhas. A autonomia, a responsabilidade que
ganharam depois de estarem cá, é completamente diferente.
E quando eu ouço um professor às vezes perguntar
sua filha é escuteira, isso quer dizer alguma coisa? Há aqui qualquer coisa de
diferente que nós conseguimos incutir nas crianças. Já me respondeste à próxima
questão, que era se acreditas que o escutismo pode ter hoje o mesmo impacto na
vida das crianças. Já respondeste, toda a gente devia passar por cá.
Sim, sim. Eu
aconselho e recomendo, sempre que me perguntam às vezes onde é que podiam estar
inseridos os filhos, sempre se aponta para o movimento juvenil. E o movimento
juvenil mais completo que eu conheço, que pode ajudar ao crescimento, em todos
os aspetos, é uma arma espiritual, é consciência em todos os aspetos.
O escutismo é
fundamental e efémero nesse aspeto.
FNA: O escutismo e a fé devem sempre andar de mão
dada. Se bem que hoje em dia, acaba por se facilitar um bocadinho na parte da
fé.
Isso nota-se um
bocadinho em todos os agrupamentos, porque acho que é aquela parte em que os
agrupamentos não se sentem tão à vontade, porque não têm tanta profundidade, ou
não conhecem as coisas a fundo.
Então, para
transmitir algo sobre a fé, é preciso a ajuda do assistente, e às vezes o
assistente não tem tanta disponibilidade para estar com o argumento. Eu falo
por mim, vejo isso realmente, e sei que às vezes não é fácil acompanhar, com as
várias tarefas pastorais que tenho, mas sempre que me pedem ajuda, eu colaboro,
e dou o meu melhor também para que eles não se sintam desamparados nesse aspeto.
Porque é fundamental, a parte espiritual não é o agrupamento.
Qualquer um deles
precisa sempre desse aspeto. É por isso que não se pode deixar, muitas vezes, de
viver a oração. É por isso que tenho a Eucaristia mensalmente, apesar de que a
Eucaristia não é só para ser ao domingo, mas eu sei que só aparecem às vezes um
domingo.
Como há essa
falha, nós temos que levar as pessoas à vivência. Se as pessoas não vivem a fé,
nunca vão poder entendê-la. Não vão compreendê-la.
FNA: Quando saímos daqui da zona de Braga, partir
do Porto lá, torna-se mais complicado… Na fraternidade acabamos por ter mais
contatos por esse Portugal com outros escuteiros, e há uma coisa que se passa
mais no Sul. As poucas pessoas que temos ligadas à Igreja são pessoas mais
dedicadas. Nós aqui somos realmente um polo maior, mas depois temos que
espremer até obter o sumo que queremos...
Os números não
querem dizer nada, é isso que estamos a dizer. Às vezes só nos focamos nos
números, agora, aqui é preciso saber quando há carência, e quando aparecem
pessoas que fizeram um processo e um caminho antes de se integrarem ou
entrarem, dentro do agrupamento, já se prepararam, já descobriram por elas
próprias ou com a ajuda de alguém.
Aqui o que
acontece? Eu vou porque os meus amigos vão, mas depois não há aquele
acompanhamento que deveria haver, acho que há aqui qualquer coisa que não está
a funcionar com aqueles que aparecem já com a convicção que é isto que querem.
Então esses são bons. Quando aqueles que aparecem, que são poucos, mas são
bons, dá para manter o caminho seguro e firme, apesar de serem poucos.
É o que vai
acontecer um dia, suponho. O Papa Bento XVI diz que realmente a Igreja do
Futuro também será menor, mas o que vai ser ou o que vai estar constituído vai coeso.
Aqueles que estiverem, estarão com convicção e convivência bem forte.
FNA: A fraternidade Nuno Alves aparece como um
movimento de escuteiros adultos, ou seja, é um movimento que já existe há
muitos anos, mas que nos últimos anos têm tido um caminho completamente
diferente daquele que era há uns bons anos atrás. Pergunto, em primeiro lugar,
quando é que foi o teu primeiro contacto com a FNA? Se foi em Aboim da Nóbrega,
quando o Núcleo de Urgezes lá foi, ou se já havia outros contactos?
A nível de
trabalho, mais afincado com a FNA, não só foi o contacto convosco lá em Aboim,
quando vocês foram lá, mas também com a fundação do Núcleo da FNA de Santo
Amaro. É com este que houve um contacto mais próximo, percebi um bocadinho o
que é a FNA, que realmente a FNA surge como missão dentro do próprio escutismo
adulto, qual é a sua preparação, o que realmente se vive dentro da FNA, e o que
é, que realmente lança-se para os outros. Não deixa de ser um apoio para o CNE,
mas por outro lado também tem o seu trabalho, e o seu caminho.
FNA: Podemos dizer que somos escuteiros adultos
para servir. Servir a paróquia, servir o CNE, quando eles precisarem de nós. E
temos que seguir esse caminho, porque senão estamos a meter-nos onde não somos
chamados. Mas acreditas que a fraternidade poderá aqui acabar por também ajudar
a colmatar essa tal falta de profundidade? Uma vez estamos a falar de pessoas
adultas, que já não vêm para o escutismo pelos amigos, já vêm porque realmente
gostam. E os que vêm com os amigos, em pouco tempo percebemos se realmente vão
gostar ou se vão afastar, ou seja, pessoas comprometidas, com um compromisso
que fazem no altar, se calhar acabam de ser muito úteis numa paróquia e até no
apoio ao CNE.
Eu digo isso um
bocadinho porque a promessa... Nós sabemos que as promessas de escutistas são
um auge de viver quase aquela passagem de fase etária da nossa caminhada de
vida. Mas às vezes eu até penso que as promessas são feitas, mas não são
vividas como elas têm de ser vividas.
FNA: No escutismo adulto é diferente, porque na
realidade as pessoas sabem o que querem. Escolheram esse caminho pela vontade
própria e se não foi por vontade própria foram convidadas, mas pensaram duas ou
três vezes antes de ir.
Exatamente. E as
vezes com as crianças vai, fazemos e já está, depois por outro lado existe o
compromisso, e quando as pessoas estão com esse compromisso.
Hoje em dia, o que
se vê é falha de compromisso, as pessoas não se querem comprometer com nada e é
por isso que nós temos pouca gente a querer estar ao serviço dos outros, a
trabalhar em prol dos outros, nem que sejam escuteiros em regime voluntariado. Era
preciso incutir novamente este ideal do compromisso nas pessoas.
Compromisso não é
sufocar a vida das pessoas. É isto que as pessoas têm medo, porque pensam que
vão ficar sufocadas por não ter vida própria. Não é isso, é uma questão de
gestão de tempo, que as pessoas têm que ter, e se as pessoas não sabem gerir o
seu tempo, automaticamente nunca vão se comprometer com nada, porque o tempo
não vai chegar para nada.
Quando as pessoas
o conseguem gerir, é ótimo, quando encontramos a gestão e sabemos o tempo que
temos na nossa vida e sabemos que sempre há algum tempo. Às vezes não temos
nada para fazer e poderíamos dar esse tempo, algo que eu posso fazer em prol
dos outros e não apenas para o meu próprio benefício e para o meu próprio gozo.
As pessoas voltam-se só para si próprias.
FNA: Eu costumo dizer que o escutismo, até mais
nesta fase adulta, é aquele passatempo que a gente vai para passar algum tempo,
mas que depois acaba de passar lá aquele tempo que até nem queria passar,
porque nem o tinha, mas ele descobre-se. E eu acho que quando nós gostamos de
alguma coisa, nós descobrimos tempo. Uma altura, numa palestra, eu ouvi um professor
universitário também escuteiro adulto, professor universitário, depois faz
parte de outras associações e nós perguntávamos como é que ele tinha tempo para
aquilo tudo.
E a resposta foi uma resposta que me ficou na
cabeça. O dia tem 24 horas para toda a gente. Cada um aproveita como pode.
E eu acho que
esse é realmente o lema que nós devemos interiorizar e gerir as nossas 24 horas
da forma que conseguimos. O importante é que nós tenhamos bons líderes. Se nós
tivermos bons líderes que consigam guiar e conduzir as pessoas, é mais fácil, se
não tivermos líderes para orientar ou conduzir em condições, as coisas começam
a ficar tremidas, as pessoas começam a desviar-se. Então aqui começam a sair e
não terem precisamente esta identificação. Por vezes é difícil arranjar um bom
líder.
FNA: Falar em líderes é falar do nosso patrono, São
Nuno de Santa Maria. É o melhor exemplo que nós podemos ver de liderança, que
em campo de guerra, ele próprio cuidava dos adversários e depois dedica-se a
uma vida plena de igreja.
Eu acho que, sem dúvida, D. Nuno, já de nosso
tempo, já era visto como um exemplo pelo CNE. E agarrar este exemplo como
patrono da FNA, é sem dúvida, o melhor exemplo que podemos seguir neste caminho
adulto.
Em 2016, na Fraternidade Nuno Alves, nós tivemos
uma série de conferências e de trocas de ideias e passámos a aceitar a
integração de pessoas que nunca tinham sido escuteiras em jovens, no escutismo
adulto. Foi algo que deu muito que falar, havia pessoas a favor, havia pessoas
contra, havia pessoas contra e que hoje são completamente a favor. Eu
pergunto-te, como é que olhas para esta decisão, se pode ser uma mais-valia ou
não? Porque há muita gente que, quem miúdos não foram escuteiros, simplesmente
os pais não deixaram e podem ter ali uma vocação e ser uma mais-valia na
associação. Pergunto-te como é que olhas para esta decisão, porque foi uma
decisão que realmente tivemos reuniões com a própria Igreja, com as pessoas que
lideram a Igreja, explicar o nosso ponto de vista e mostrar realmente o porquê.
A Igreja nunca
implica ou põe em causa a questão da participação ou não das pessoas num
movimento, neste caso, nacional. A questão que a Igreja muitas das vezes
pergunta é se a pessoa é batizada. Se é batizada, se realmente tem pelo menos a
vida cristã em dia, podemos dizer assim..
FNA: Um dos parâmetros para entrar é ter um
relatório do pároco como é uma pessoa idónea e participativa na atividade
paroquial.
Qualquer
dirigente do CNE é a mesma coisa. O assistente é que dá sempre o aval acerca
daquela pessoa para fazer ou não a promessa daquele dirigente. O que é que se
pretende com um dirigente ou quem realmente entra para afirmar o escutismo
adulto.
Nós temos que ver
nessas pessoas que sejam capazes de ser um exemplo, escuteiros educadores e
líderes ao mesmo tempo.
É uma liderança
de pujança, o combate de ideias é muito importante.
Quando cada um
contribui enriquece muito mais.
FNA: Mas das coisas mais difíceis que existe em
termos de escutismo adulto é realmente conseguir lidar com os adultos. Os
miúdos a gente consegue-lhes dizer que é para a esquerda ou para a direita e
mais ou menos eles vão, mas quando falamos adultos, toda a gente tem a sua
opinião. E é verdade que temos que ter bons líderes e isso faz toda a diferença.
Reconheço que aqui em Urgezes fomos tendo bons líderes com o Carlos Alberto, o
Araújo, o Lima, sempre pessoas que sabem o que querem e com a calma deles ajudam-nos
a chegar a bom porto e empolgar-nos a todos.
Mas é um desafio
e por vezes existem bons líderes num grupo, até mais do que um líder e às vezes
as próprias ideias acabam por ficar e o grande desafio é mesmo esse, conseguir
dar a volta a isso tudo. Aliás, até vou mais longe um bocadinho, acho que cada
cristão, cada pessoa que vive a sua adesão realmente a Jesus Cristo, deve ser
um bom líder.
Cada cristão é um
líder., porque cada cristão tem que anunciar o Evangelho, se anunciar o
Evangelho tem que ser um líder.
A forma como o
faz, na sua simplicidade, com a sua sabedoria, com os seus dons, é isso que é o
mais importante. Agora, nós temos de estar imbuídos da riqueza que nos dá o
Evangelho, a Palavra de Deus, para nós podermos seguir o exemplo de Cristo,
porque senão, a partir daí, qualquer um pode entrar na FNA, na CNE, tendo
realmente essa experiência profunda também de Cristo, porque Jesus vai-lhe dar
aquela parte humana que está a falhar nele, porque Jesus também era humano,
muito humano, era humanista, estava sempre atento às necessidades das pessoas e
sempre atento àquilo que se passava, para poder muitas vezes ajudar, e depois
foi um líder. Porque eu?
FNA: O nosso Presidente Regional costuma dizer que
nós temos de fazer duas coisas para estar bem na FNA e sermos úteis na FNA.
Primeiro, assumir o nosso compromisso, o compromisso que fazemos quando fazemos
a promessa, e a segunda, é sermos humildes. E é engraçado, porque ao longo
destes três anos tenho convivido mais com ele, cada vez mais lhe dou razão.
Sim, a humildade
é fundamental e é completamente a chave de nós sabermos quando é que devemos
dar um passo atrás, quando a nossa vontade é a dar dois à frente. Porque o
orgulho mata.
Porque o orgulho
faz com que a própria pessoa nem aceite a opinião do outro e só pense aquilo porque
acha que tem razão. E isso é impossível trabalhar.
Ou a própria
pessoa trabalha por ela própria e aceita verdadeiramente que o que precisa de
fazer, não é lavagem no cérebro, mas uma introspeção interior. Perceber um
bocadinho o que se está a passar com ela, porque uma pessoa autoritária não é um
bom líder.
E eu, graças a
Deus, também tive um bom líder que foi o vosso primeiro assistente, mas falo
também do “guia do meu bando”, que era o Carlos Alberto.
FNA: O Carlos Alberto, tem um papel fundamental nesta
viragem, nesta forma de estar da FNA. Aqui há uns anos atrás, quando se falava
em FNA, associávamos de um grupo antigos escuteiros, que se juntavam para
recordar e ao mesmo tempo fazer uma jantarada, mas com o José Luís, e depois com
o Carlos Alberto, há uma mudança de paradigma. E realmente o serviço começa a
estar no topo e a partir daí começamos a ver pessoas realmente envolvidas e
comprometidas neste movimento e com vontade de cá andar, de servir e de fazer
mais, o que se reflete no tempo que acabamos por dedicar mas com um sentimento
de utilidade completamente diferente.
Aliás, é um
bocadinho esse lema que nós devemos trazer sempre no coração. Porque o amor
realmente de Jesus foi um amor de serviço. Portanto, ele próprio se rebaixou
para precisamente lavar os pés aos próprios discípulos.
E como lavou os
pés aos próprios discípulos, deu um exemplo a eles. A dar humildade. A fazer a
voz da mãe.
E por isso a
humildade é fundamental para nós podermos continuar a crescer, a receber, a
apreender e por outro lado também transmitir. Porque ninguém dá aquilo que não
tem.
FNA: Durante este ano atravessamos o ano do Jubileu,
em que o Papa Francisco nos propôs a viver como “peregrinos de esperança”, qual
é o significado destes “peregrinos de esperança”?
Todos nós somos
peregrinos, portanto, todo ser humano é um peregrino, não digo um peregrino
eterno, porque depois a eternidade continua e diante de Deus a nossa
peregrinação é outra, mas esta peregrinação na esperança significa que temos o
nosso caminho colocado, precisamente, como um exemplo, nesta virtude. Somos
peregrinos de esperança, olhando não apenas para aquilo que é o otimismo da vida,
porque às vezes o otimismo falha, mas olhar precisamente para aquilo que ainda
nós não conhecemos, mas que nos motiva.
Isso é o que nos
faz trilhar e não desanimar, fazer o caminho. A virtude da esperança é isso.
Não é só esperar aquilo que a gente desconhece, como diz muito a Sagrada Escritura,
mas é pensar um bocadinho neste propósito.
E todos nós somos
peregrinos e queremos caminhar nessa perspetiva, sabendo que somos salvos
precisamente na esperança, até porque o Papa Bento XVI dizia que é salvos na esperança.
Nós só podemos ser salvos na esperança se habitarmos realmente no coração de
Deus. O Deus tem esperança em nós também, deposita em nós esta esperança de que
o queramos, que realmente tenhamos a vontade de o conhecer, de o amar e de o
servir.
Isto é um amor
imenso, um amor incomensurável, podemos dizer assim, um amor sem limites da
parte de Deus. Agora, nós temos que ter esta corresponsabilidade e ao mesmo
tempo corresponder àquilo que Deus espera de nós. E às vezes é um desafio
grande… Fazer a caminhada de peregrinos, subir, subir, subir, subir, cansa.
FNA: Porque nós olhamos até para este slogan,
peregrinos de esperança, acho que este termo “peregrinos de esperança” é muito ambíguo,
amplo…. E realmente podemos olhar para isto, como sendo peregrinos a vida toda.
Que atitudes práticas é que podem ajudar a viver melhor este ano jubilar que
estamos a atravessar?
Que atitudes
práticas? Se cada um de nós pensar um bocadinho na forma como é a realidade da
nossa vida, e sobretudo a questão da nossa fragilidade, vamos entender que este
peregrinar não é peregrinar sozinho, é um peregrinar em conjunto. Aliás, o Papa
Francisco falava isto muitas vezes, devemos caminhar juntos porque ninguém
realmente é capaz de ser salvo sozinho, e a atitude que nós devemos ter é
pensar em comunhão.
Comunhão, unidade:
são atitudes que devemos ter, bem presentes. E se pensarmos um bocadinho em
comunhão e unidade, vamos pensar na palavra que é muito importante para nós,
que é a palavra família.
Porque a família
é a base, o pilar, estruturante de tudo, quando temos uma família bem
estruturada, vamos conseguir tudo o resto. Vamos conseguir ter uma boa
comunhão, vamos ter esta boa interligação entre todos os membros, vamos
conseguir fazer e trabalhar para os outros.
E a mesma coisa
se diga da FNA, dos movimentos que existem na igreja, tem que viver assim esta
atitude. A atitude de não pensar apenas em mim, mas pensar que eu sou uma comunhão,
que eu sou uma família, somos família, porque Deus é família.
Para nós podermos
levar este ano jubilar, sabendo que a comunhão e a unidade é fundamental, tendo
a participação, a mente ativa, bem presente, também no coração, porque todos
nós temos uma missão.
E a nossa missão
é viver esta comunhão, esta família uns com os outros, mas nunca perdendo a
nossa identidade, que nós falámos aqui há há bocado, a nossa identidade cristã,
neste momento está em Cristo. No CNE, na FNA, nós temos outras referências que
nos fazem viver essa comunhão, essa unidade, com os exemplos dos tantos
patronos que muitas vezes nos colocam, aqui o São Nuno, para nós é uma
referência imensa, e daí gostava que falasse há bocado da humildade, a atitude
humilde, para poder ser peregrino, porque se ninguém chega ao fundo do monte,
se não for humilde, porque não consegue lá chegar, vai desistir a meio do
caminho. Tenta-se caminhar sozinho, às vezes tenta ir para a frente dos outros.
FNA: Ou seja, se estamos a subir o monte, se nós
nos libertarmos do peso que temos a mais, com certeza é que vamos chegar mais
fácil…
É fundamental o
despojamento, se não nos despojamos daquilo que é supérfluo na nossa vida,
aquilo que é inútil, que às vezes até nós damos valor e não tem valor nenhum, e
aquilo que nós devemos dar valor às vezes não damos, que são as pessoas.
Às vezes aos materiais,
às outras coisas que não têm sentido nenhum, só nos fazem perder a cabeça,
costuma-se dizer….
Porque Deus é uma
pessoa, aliás três pessoas, neste caso, em qual nós não podemos prescindir nem
deixar de lado. Porque? Então é como o próprio Jesus diz no Evangelho, sem mim
nada podeis fazer. Portanto, se nós não tivermos esta ligação, desta relação de
amizade com o próprio Senhor, nunca mais lá conseguimos.
Hoje a Santa
Teresa de Jesus diz que a oração é precisamente este tratado de amizade com
aquele que nos ama. Portanto, a oração é uma conversa, é um diálogo que nós
fazemos. Ao fazer este diálogo com Jesus, estamos realmente a acolher aquele
que é nosso amigo, a conhecê-lo, a perceber realmente o quanto ele nos ama e
como ele é fundamental para nós sermos felizes também.
Porque a
felicidade é fruto de opções felizes.
FNA: Este ano jubilar, acima de tudo, é um ano em
que todos nós devemos fazer um bocadinho de introspeção, olhar para dentro e
ver se estamos a caminhar o trio certo, com a mochila bem carregada ou não.
Os caminheiros
fazem isso muito bem, na partida. Metem só aquilo que é essencial na mochila.
O pão, o
evangelho, a mochila, a vara e pouco mais… o resto, o que podem levar é a boa
vontade de ajudar, contribuir para a felicidade dos outros.
Portanto, se o
escuta, é irmão de outros escutas e ao mesmo tempo caminha para servir, é prestar
realmente este auxílio àqueles que passam nas suas vidas. Eu acho que não há
maior felicidade do que aquele que precisamente oferece a sua vida para os
outros ou está ao serviço dos outros e se entrega realmente de alma e coração a
isso. Nessa missão.
Parabéns à FNA e
obrigado também pela vossa missão porque todos somos importantes.
Não é destacar
ninguém, mas todos somos necessários, ninguém é descartado. E a vossa missão é
imprescindível nos tempos em que vivemos e sobretudo o vosso exemplo, a vossa
caminhada, as vossas atitudes, os vossos projetos.
São fundamentais
para nós só deixar a marca da FNA na comunidade em que está e nas pessoas, mas
também deixar um pouco da vossa marca aqui para nós, e por isso, muito obrigado
também por me convidarem a estar aqui neste momento e poder partilhar convosco
este momento.
FNA: Qual a mensagem que gostaria de deixar aos
nossos paroquianos, onde no meio de tantos, se calhar até temos alguns
escuteiros que estão adormecidos e que podemos aqui despertar-lhe a “chama”,
que é o nome da nossa revista, propositadamente, a Chama Escutista.
Antes de deixar
esta mensagem, é bom e importante nós termos presente sempre todas as pessoas
que tiveram sempre este toque do escutismo. A chama não se apaga, nós podemos
deixá-la diminuir, mas arde um bocadinho. Agora é preciso é atiçar o fogo,
muitas vezes porque está aí a pequena chama. E lá está a esperança, porque é
que a esperança é a última a morrer, e porque o amor nunca acaba.
E enquanto o amor
nunca acaba, significa que a esperança também não vai acabar, porque o amor
acende sempre a chama da esperança nos corações. E por isso o convite que eu
faço, e a mensagem que deixo, precisamente a todos aqueles que passaram pelo
CNE do nosso tempo (mais novos ou mais velhos), todos aqueles que viveram esta
experiência escutista, nunca realmente esqueçam aquilo que receberam, sobretudo
isso. E que, ao mesmo tempo, pensem um bocadinho no que podem realmente dar.
Porque não é só receber.
Todos nós temos
sempre algo para dar. E acho que aquilo que nós recebemos nos fez crescer. Isso
é quem somos hoje.
Tivemos que
contribuir também para que outros venham a conhecer, venham muitas das vezes a
perceber a importância destes valores que nos fizeram ser quem somos hoje, e
por isso convido-vos também a retornar, se possível. Assumir novamente esse
compromisso, de braços abertos, e ides perceber que a vida, para vós, será
ainda mais feliz porque estais a fazer algo que o vosso coração já estava a
dizer qualquer coisa, mas que hoje se torna ainda mais forte para poder
desenvolver aquilo que então acolheste com muita alegria no vosso coração
naqueles tempos em que passaram por cá. Não desistam, estamos convosco e
estamos aqui para caminhar juntos porque é isso que é fundamental.
Nós todos temos famílias,
com certeza com as suas diferentes vocações e locais de trabalho diferentes,
mas não quer dizer que a gente não possa contribuir e estar sempre próximo e
ajudar a que retornem e nos lembremos desse tempo passado. É sempre importante.
Nunca podemos esquecer
o passado, nunca pode haver a desligação entre o passado e o presente. Não
podemos matar as raízes. Quando se corta as raízes, morre tudo.
Temos que muitas
vezes relembrar as nossas raízes e voltar a fazer com que essas raízes se
tornem fortes para dar maior orgulho e para dar frutos.
FNA: E as raízes estão precisamente no local onde
tivemos esta conversa, foi neste local, nesta garagem que à há 56 anos atrás,
nasceu o CNE em Urgezes também.
São felizes coincidências, mas que acabam por
marcar a diferença.

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